A comunicação é muito mais estratégica do que pensamos. Por meio dela enviam-se mensagens que esperamos ser assimiladas. E aí vem o discurso. Para alguns linguistas, cientistas sociais e estudiosos de Comunicação, como Émile Benveniste, o discurso tem muito a ver com algo que sustenta uma ideologia. Ou seja, é baseado no conjunto de pensamentos e visões de mundo derivados da posição social de um grupo ou instituição.
Isso se aplica totalmente ao discurso feito pelo papa Francisco nessa quinta-feira, dia 24, no Congresso dos Estados Unidos da América. O discurso ganhou ares históricos, pois foi a primeira vez que o líder do Vaticano visitou o local. Além disso, é notória sua popularidade, inclusive entre os não católicos. Segundo uma pesquisa do The New York Times e CBS realizada no início de setembro desse ano, 45% dos entrevistados disseram que veem o papa como um líder e porta-voz humanitário para todos os povos independentemente de religião.
Essa popularidade se tornou evidente antes e durante o discurso do líder aos congressistas. Eram constantes os momentos em que os presentes levantavam e aplaudiam trechos da fala do cardeal Jorge Mario Bergoglio. Sua presença no local onde são elaboradas e votadas leis de uma das mais importantes e estratégicas nações do mundo provocou profunda atenção e reverência.
Antes de mais nada, minha análise tem a ver com comunicação e relação com outros contextos, inclusive o bíblico a respeito do fato. Não me proponho aqui a forçar interpretações e sou bastante contrário a alarmismos escatológicos do tipo que torna qualquer movimento do líder do Vaticano em uma clara evidência de que o mundo se aproxima do fim. Refiro-me principalmente a análises muito rápidas, precipitadas e que não levam em conta o contexto das profecias. Prefiro uma linha mais equilibrada.
O discurso
Francisco falou sobre diferentes temas, mas quero destacar alguns trechos da fala dele aos congressistas que são significativos e indicam alguns pensamentos e conceitos. O líder do Vaticano comentou que “nenhuma religião é imune ao extremismo ideológico” e criticou o chamado fundamentalismo religioso.
O temor dele e de outros líderes mundiais parece ser em relação aos pontos de vista extremistas de qualquer religião. Evidentemente visões desiquilibradas da religião, que levam até a morte de gente inocente, não são amparadas pela Bíblia Sagrada. No livro sagrado do cristianismo, o exemplo de Cristo, Paulo e outros apóstolos demonstra claramente a capacidade de contextualizar a mensagem para ser compreendida por povos de diferentes origens e realidades e não há registros de imposição dos ensinos.
Só que fundamentalismo não pode ser entendido como opinião diferente da maioria religiosa. Há um movimento liderado pelo Vaticano para uma união de religiões em torno de um bem comum, uma paz mundial, etc. Mas essa união não é em torno de uma busca pela prática dos ensinos bíblicos. É muito mais de fundo político.
Fundamentalismo talvez seja, ainda, um termo relacionado com os grupos que estão fora ou de alguma maneira não se harmonizam com esse trabalho de bem comum? Se for, tem tudo a ver com o capítulo 12 de Apocalipse. Ali, muitos estudiosos interpretam que temos a narrativa da perseguição à mulher (igreja em linguagem profética bíblica), mas não uma igreja qualquer e, sim, um movimento religioso que observa (ensina e pratica) os mandamentos de Deus (versículo 17). Movimento que, por sinal, não será seguido pela maioria, portanto não estará sujeito a qualquer tipo de coalização das grandes lideranças mundiais em torno de qualquer motivo que não seja ensinar exatamente os princípios diretamente extraídos da Bíblia. Essa perseguição é protagonizada pelo dragão (compreendido como Satanás), ou seja, ele é o grande motivador dessa intolerância.
A maneira como ele persegue está mais detalhada nos capítulos 13, 17 e 18, com paralelos em Daniel capítulos 7 a 9. Mas já se sabe, há muito tempo teoricamente e agora mais visivelmente, que se trata de uma perseguição que se vale de um sistema com rosto religioso e prática política capaz de forçar leis e meios para rechaçar qualquer outro tipo de ideia. E que ganha seguidores e simpatizantes de todos os lados a cada dia. É a tal da besta do Apocalipse ou o chifre pequeno de Daniel. É preciso estudar os textos que citei agora há pouco e compará-los à história do mundo para compreender claramente o tema.
Sobre a atuação das bestas, veja esse vídeo:
Por outro lado, é preciso entender o que o papa Francisco quis dizer, em seu discurso histórico, quando fala do “reducionismo simplista que só vê o bem e o mal”. Ou seja, não se pode distinguir tudo entre bem e mal, portanto há um pouco de bem e mal em todos os segmentos. Seria isso? Se for efetivamente, há um problema com o conceito bíblico de origem do mal (Gênesis 3), desenvolvimento do pecado e os resultados disso na vida humana de maneira prática (Romanos 3:9-18 e 5, 6 e 7) e o próprio significado do grande conflito espiritual presente em toda a Bíblia e confirmado em Apocalipse 12:7-12.
O papa Francisco frisou, ainda, aos atentos congressistas estadunidenses dois pontos já abordados anteriormente: a necessidade de cuidado do meio ambiente e a construção do bem comum de uma sociedade que sacrifica interesses particulares para apoiar as diferenças.
Os dois temas estão interligados, pois a última encíclica (Laudato si) assinada pelo pontífice tratou especificamente disso. Em essência, enfatiza a necessidade de preservar o meio ambiente para que a sociedade, como um todo, seja beneficiada. Nada de ruim em si nesse tipo de abordagem.
A questão, no entanto, é perceber que, por conta do histórico de discursos do Vaticano acerca dessas temáticas, esse bem comum tem total ligação com a estratégia de unificar as religiões em torno da liderança do Vaticano. A estratégia foi motivada pelos antecessores de Francisco e tem avançado sob seu pontificado.
E nesse ímpeto por unir todos sob a batuta do pontífice católico há algumas inconsistências com a narrativa bíblica. Um exemplo básico é que nessa encíclica, que fundamenta o discurso a favor da preservação ambiental, o domingo é apresentado como “o dia de cura das relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo”. O detalhe, que na verdade não é apenas um detalhe, é que biblicamente não há qualquer referência ao domingo como um dia especial separado por Deus. A atribuição é exclusiva do sábado.
Boa retórica é o que se vê no papa, mas o discurso, sob o ponto de vista bíblico, sempre sofrerá uma análise mais crítica. Para pensar, refletir e verificar tudo isso em um contexto maior e mais profundo.
Vídeo com análise do colunista Michelson Borges:
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