Foi em uma brincadeira entre amigos, quando tinha cinco anos de idade, que Douglas Silva perdeu sua audição por causa de uma pancada na cabeça. Desde então, a deficiência auditiva tem lhe acompanhado, mas nunca o impediu de realizar o que queria. Até conhecer o adventismo, não sabia nada a respeito de duas informações que mudaram a sua vida: a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a volta de Jesus.
Foi então que decidiu se tornar um pastor adventista. Formado em Teologia pela Faculdade Adventista da Amazônia (Faama), hoje atua como pastor na Associação Paulistana, sede administrativa da Igreja Adventista para uma das regiões da cidade de São Paulo. Conheça os desafios e realizações do primeiro pastor adventista surdo do Brasil.
Você sempre foi adventista do sétimo dia? Como você conheceu a igreja?
Não, mas era muito religioso, frequentava a igreja aos domingos sempre que podia. Naquele tempo eu não tinha contato com surdos e a Libras. Eu era oralizado, ou seja, me comunicava através da leitura labial. Não tinha ideia da importância da Libras. Com 14 anos conheci um professor em minha escola, o Jorge Luiz, ele me convidou para conhecer um grupo de surdos no sábado. Aceitei o convite e no dia ele me apresentou a um grupo de surdos e intérpretes da igreja adventista do IASP (atual Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), campus Hortolândia).
No culto, observei que os ouvintes (como os surdos denominam pessoas que não são surdas) presentes na igreja se emocionavam com a mensagem do pastor, assim também os surdos, pois, havia um intérprete de Libras que interpretava o sermão, mas para mim, por ser oralizado, era complicado. O pastor andava de um lado para o outro com o microfone na frente da boca e o púlpito ficava longe. Com isso, senti a necessidade de aprender a Libras. Pedi a um surdo, o Fagner, que me ensinasse essa nova língua, e em pouco menos de três meses já estava me comunicando com todos do grupo.
Isso foi importante para mim, pois finalmente eu pude me comunicar e receber informações com mais clareza do que quando lia os lábios das pessoas. Me senti mais livre para me comunicar, sem medo da pessoa não entender o que eu falo. A Libras e as pessoas que a dominam me deram essa oportunidade. E claro, pela graça de Deus, finalmente pude entender a mensagem do pregador, o que me levou a me interessar mais pela Palavra, receber estudos bíblicos e ser batizado. Não parece ser verdade, mas antes disso eu não sabia que Jesus voltaria. Quando soube, foi um impacto de esperança!
Por que decidiu se tornar um pastor?
Desde criança tive o desejo de ser missionário, conhecer culturas e línguas diferentes. Depois do batismo, em 2004, com 17 anos, comecei a ser ativo na classe da Escola Sabatina dos surdos. Também fazia visitas missionárias e dava estudos bíblicos a surdos junto com o surdo Edson Sá. Fiz outros três cursos antes de iniciar no Seminário de Teologia, mas não completei nenhum deles. Tive o apoio de minha família, do Ministério dos Surdos, de pastores e empresários que acreditaram em minha capacidade e isso me incentivou muito.
Hoje meu desejo está realizado. Tive oportunidade de viajar e conhecer surdos de vários países diferentes e pregar a Palavra de Deus a eles. É um sentimento único passar por dificuldades comuns que todo missionário tem, como dificuldade de comunicação por causa da língua diferente. Sim, isso mesmo, a língua de sinais não é universal, varia muito e é bem diferente da língua falada, tanto que para nós, surdos, pode ser mais fácil se comunicar na Língua de Sinais Alemã (DGS) do que na Língua de Sinais Argentina (LSA). Apesar de toda dificuldade, o sentimento maior é de que Deus tem me guiado e me abençoado em toda essa jornada.
Como foi estudar Teologia tendo deficiência auditiva? Você possuía um intérprete?
Quando soube que faria Teologia na Faama, pedi a Deus que, se fosse Sua vontade de me ver formado como pastor, me guiasse em todo o processo. E vi muitas bênçãos sendo derramadas. Meu primeiro intérprete foi o Joel, que nos conhecemos no primeiro dia de aula, e ele também era aluno da minha turma. Nós estudamos os quatro anos e nos formamos juntos. Hoje, Joel Rodrigues é pastor em Cametá, no interior do Pará. Ainda mantemos contato e ele é representante do Ministério dos Surdos da Associação Norte do Pará (uma das sedes administrativas da Igreja no Estado).
Por pouco tempo, quem me ajudou a interpretar as aulas foi o André, que hoje trabalha comigo na Associação Paulistana e é o primeiro intérprete contratado pela Igreja Adventista nessa região da América do Sul. Mas, quem merece mesmo ser lembrada como minha intérprete é a senhora Nazaré Aires, que por três anos interpretou voluntariamente as aulas de Teologia. No dia da minha formatura, ela recebeu uma homenagem especial da turma e da Faama por sua maravilhosa dedicação.
Não foi só a parte de interpretação das aulas que precisou ser adaptada, mas muitas vezes os professores, que eram muito queridos e dedicados, me ajudavam no meu desenvolvimento pastoral. As aulas tinham mais materiais visuais que me ajudavam a entender melhor, e os estágios que eu fazia eram feitos com os surdos nas igrejas, e as avaliações eram iguais para todos. Me senti muito bem tratado e lembro sempre de cada um com quem estive naqueles dias.
Atualmente, como é a sua rotina como pastor? Você cuida de uma comunidade específica para surdos?
Hoje sou pastor na Associação Paulistana (AP). Tenho um trabalho muito grande para fazer por aqui. De todo o Brasil, aqui é onde está concentrada a maior população de surdos. Na AP, tenho um escritório onde trabalho com o André (intérprete) e o Thiago (surdo), fazendo projetos, eventos e materiais para o Ministério dos Surdos.
No sábado temos uma classe bíblica dos surdos na [Igreja Adventista] Central Paulistana com 35 integrantes, onde realizamos estudos bíblicos e treinamentos como, por exemplo, para a Feira de Saúde para Surdos. Além disso, estou envolvido em projetos sociais para a comunidade surda em conjunto com as escolas especiais de surdos (temos seis), a Corposinalizante do Museu da Arte Moderna (que é onde surdos e intérpretes aprendem poesias em Libras), a ASSP (Associação de Surdos de São Paulo) e a SASV (Sociedade dos Amigos Surdos Veteranos).
Conte alguma situação desafiadora que passou exercendo o ministério.
Eu, como pastor, tenho vivido intensamente momentos de dificuldades no ministério. Tenho recebido surdos em situações complicadas, como viciados em drogas, surdos que foram abusados sexualmente por familiares, que sofrem assédio e exploração no trabalho, com problemas financeiros extremos, que apresentam depressão profunda, que estão à beira do suicídio. O pior de tudo é que, em muitos casos, os materiais que a Igreja possui para suprir essas necessidades não tem acessibilidade para eles. E como cada um tem um problema específico, fico sobrecarregado para poder ajudá-los individualmente.
O ministério dos Surdos Adventistas do Brasil está muito à frente de outros países. Mesmo assim, que sonhos você ainda tem para esse ministério especial?
Sim, o ministério dos Surdos no Brasil é modelo para os outros do mundo. O crescimento tem sido um sucesso graças à boa administração dele, da qual destaco o pastor Edison Choque, líder do ministério dos Surdos para oito países da América do Sul, e sua conselheira, Jackeline Mennon. São duas pessoas excepcionais que tem trabalhado arduamente para que os surdos tenham mais acessibilidade nas igrejas. Hoje não quero viver de sonhos, mas de ações.
À pessoa que estiver lendo essa mensagem, seja você parte do Ministério dos Surdos ou não, quero que saiba que só você e mais ninguém pode fazer o que você faz, então não perca a oportunidade de fazer o bem pelo próximo enquanto há tempo!
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