A atual sucessão de governos na América do Sul revela o esgotamento das políticas de esquerda. Isso ocorre em paralelo a uma retomada da economia americana. Os Estados Unidos e o bloco europeu parecem reafirmar suas posições de liderança e hegemonia no mundo.
O que isso tem a ver com as profecias bíblicas?
De fato, o chamado chavismo perdeu espaço na Venezuela nas eleições legislativas de 2015, e a hegemonia de 16 anos da ideologia de Hugo Chávez está ameaçada. Na Argentina, o longo período de 12 anos dos Kirchner (Nestor, depois Cristina) chegou ao fim com a vitória do liberal Mauricio Macri. Na Bolívia, o socialista Evo Morales não poderá disputar um terceiro mandato; foi a decisão do referendo de fevereiro deste ano.
No início dos anos 2000, a ascensão de Lula, Chávez e Kirchner, respectivamente, no Brasil, Venezuela e Argentina, provocou uma onda das políticas sociais de esquerda na América do Sul. Na força dessa onda, em 2005 o Uruguai elegeu Tabaré Vázquez; em 2006 a Bolívia elegeu Morales e o Chile, Michelle Bachelet. Essa onda alimentou o ideal de políticas sociais igualitárias e paternalistas na população sul-americana, uma das sociedades mais desiguais do planeta.
Ao final de quase 15 anos, os elos dessa corrente têm se enfraquecido e quebrado um após o outro. No Brasil, a maior potência econômica da região, o governo de Dilma Rousseff está seriamente ameaçado pelos mesmos motivos dos demais: evidências de corrupção e falência das políticas populistas.
O enfraquecimento das esquerdas na América do Sul faz parte do processo de desorganização da ideologia socialista como um todo em curso desde a queda do Muro de Berlim, em 1989. A falência do maior estado sócio-político construído sobre essa ideologia, a União Soviética, fragilizou o discurso revolucionário ao redor do mundo. Além disso, o regime comunista em Cuba e na Coreia do Norte só tem fortalecido a mentalidade capitalista devido às agruras sociais e econômicas evidentes nesses países.
O comunismo chinês sustentou elevados índices de crescimento econômico nos últimos anos, mas somente graças à abertura para a economia de mercado em curso ali desde os anos 1970. No entanto, apesar de representar uma salvaguarda para a ideologia socialista, o milagre chinês começa a apresentar sinais de esgotamento. Nos dois últimos anos, a China tem enfrentado crescente fuga de capitais, queda da bolsa, desvalorização da moeda e do mercado imobiliário e evidências de corrupção. Este período da economia chinesa tem sido avaliado como o fim de um ciclo.
O enfraquecimento dessas economias coincide com a retomada do crescimento dos Estados Unidos. Muita coisa não vai bem nas economias modernas, mas o que se assiste nestes tempos pode ser considerado como um esgotamento quase final das ideologias de esquerda e um fortalecimento da economia de mercado em nível global.
Uso aqui a expressão “esquerda” em referência às políticas voltadas para o estado intervencionista e controlador da liberdade geral, e “economia de mercado” para aquelas fundadas na ideia da suficiência do mercado em regular a si mesmo. Em geral, as políticas de esquerda defendem a igualdade, e as de direita, a liberdade. No livro Destra e Sinistra, o filósofo italiano Norberto Bobbio diz que a esquerda procura eliminar as desigualdades sociais com medidas protecionistas, já a direita entende que essas desigualdades são naturais e que a sociedade se autorregula.
Outro aspecto das ideologias de esquerda é a negação da dimensão religiosa da sociedade. Por sua vez, a direita se adapta ao discurso religioso e o utiliza como parte de suas estratégias de poder.
Essa tensão entre uma esquerda que nega Deus e uma direita que pretende usar o nome de Deus foi prevista por Daniel, profeta e também estadista. As visões relatadas nos capítulos 2, 7 e 8, de seu livro, têm o foco no “tempo do fim”, quando o poder perseguidor dos “santos” emerge mais uma vez, mas só para ser destruído com a chegada do reino de Deus. O profeta diz que o reino de Deus “esmiuçará e consumirá todos estes reinos” humanos (Dn 2:44), e que “o domínio, e a majestade dos reinos” serão dados aos “santos do Altíssimo” (7:27; ver 8:9-12).
Mas, onde está a esquerda e a direita na profecia?
As profecias apocalípticas se desdobram em quadros paralelos, os quais acrescentam novos detalhes ao tema já abordado. Tratando do mesmo “tempo do fim”, a visão de Daniel 11 descreve um conflito prolongado entre o chamado “rei do Norte” e o “rei do Sul” (v. 40-45), no qual o Norte prevalece sobre o Sul, pouco antes de investir contra o “glorioso monte santo”, ou seja, os mesmos “santos” das visões de Daniel 7 e 8. As expressões “monte santo” e “monte Sião” frequentemente indicam o santuário e o povo de Deus (Ez 20:40; 28:14; Dn 9:16, 20).
O perseguidor dos “santos”, de acordo com Daniel 7 e 8, é o “chifre pequeno”, símbolo do papado. Ele muda a lei de Deus, persegue os que permanecem fiéis às Escrituras e pretende tomar o lugar de Deus na Terra (Dn 7:8, 21, 25; 8:9-12). Entretanto, antes de perseguir os santos, no tempo do fim, o “chifre pequeno”, que é o mesmo “rei do Norte” (Dn 11:31, 36, 37), terá de suprimir o “rei do Sul”. Mas, no clímax da investida contra o “monte santo”, o tal “rei do Norte” será derrotado (11:45; ver 8:25). Os “rumores do Oriente” que o perturbam são as claras evidências da chegada do reino de Deus com a volta de Cristo (11:44; 8:13, 22).
Da perspectiva de Israel, o Norte era a posição de Babilônia e o Sul, a do Egito. Na Bíblia, frequentemente o Norte representa aquele que deseja estar em lugar de Deus. Lúcifer desejava subir ao “céu”, exaltar seu trono “nas extremidades do Norte” e ser “semelhante ao Altíssimo” (Is 14:13, 14). Babilônia é referida como o poder do “Norte” que derrama “o mal sobre todos os habitantes da terra” (Jr 1:13-16; 6:22, 23). O rei de Babilônia teve a arrogância de desafiar a Deus (Dn 3:15; 4:24, 25). Daniel afirma que o “chifre pequeno” provém do Norte (Dn 8:9). No Apocalipse, o poder que se levanta contra os fiéis de Deus no tempo do fim é retratado como “besta” ou “Babilônia” (Ap 13:1, 7; 14:8; 17:5; 18:2, 10, 21).
Se o “rei do Norte” é o mesmo “chifre pequeno”, que é o papado em sua investida contra os “santos”, quem é o “rei do Sul” que será suprimido antes da perseguição aos “santos do Altíssimo”?
Jacques Doukhan, em seu livro Secrets of Daniel, comentando Daniel 11, diz que o Sul simboliza, na tradição bíblica, “o poder humano sem Deus”. O Sul aponta para o Egito (Dn 11:43), especialmente para o orgulhoso faraó: “Quem é o Senhor para que lhe ouça eu a voz e deixe ir a Israel? Não conheço o Senhor” (Êx 5:2). Uma aliança de Israel com o Egito seria um deslocamento da fé, uma troca de Deus pela humanidade, ou seja, a fé na humanidade substituindo a fé em Deus. Isaías diz: “Ai dos que descem ao Egito em busca de socorro e se estribam em cavalos; que confiam em carros, … mas não atentam para o Santo de Israel, nem buscam ao Senhor! … Pois os egípcios são homens e não deuses” (Is 31:1-3).
Assim, no conflito protagonizado pelo Norte e o Sul, nessa visão de Daniel 11, “o Norte representa o poder religioso” que pretende ocupar o lugar de Deus, o poder do estado perseguidor dos “santos”; e o “Sul representa os esforços humanos que rejeitam Deus e têm fé apenas na humanidade”, ou seja, os poderes seculares fundados nas ideologias ateísticas e materialistas (Secrets of Daniel, p. 173). Nesse caso, as ideologias de esquerda e seus estados socialistas são aqui retratados com a figura do Egito e do Sul.
Assim, Daniel previu um conflito prolongado, no tempo do fim, entre o poder político-religioso e o poder ateísta e materialista. Ele visualizou a resistência do poder materialista, mas profetizou que este último terminaria sendo suplantado.
O Apocalipse não dá esses detalhes do conflito providos pelo estadista Daniel. João visualizou o momento posterior em que todos os que “habitam sobre a terra” (Ap 13:14) e os “reis do mundo inteiro” serão envolvidos pelo poder da Babilônia, no Armagedom (16:14, 16).
Essa profecia de Daniel 11 é extremamente significativa diante da nova configuração geopolítica do mundo desde a queda do muro de Berlim. Os poderes políticos capitalistas, unidos ao poder religioso cristão desviado da verdade bíblica, conseguiram desorganizar o estado comunista e materialista europeu no fim da Guerra Fria. Nos anos 1990, o poder americano despontou como a única potência global, deixando em seu rastro as ideologias de esquerda em completa confusão. O Norte se sobrepôs ao Sul.
No desfecho desse conflito que resultou na queda do comunismo no Leste europeu, os Estados Unidos tiveram um decisivo aliado: o papa João Paulo II, que conseguiu restaurar a influência religiosa do Vaticano no mundo. Isso é o que contam os jornalistas Carl Bernstein e Marco Politi, no livro Sua Santidade: João Paulo II e a História Oculta do Nosso Tempo (Objetiva, 1996).
Nesta década, a segunda etapa de desorganização das ideologias e dos regimes de esquerda, incluindo os da América do Sul, aponta para o crescente poder do “rei do Norte”. Segundo a profecia, sua agenda prevê investidas iminentes contra o “monte santo de Deus”. Esta será a última batalha do “rei do Norte”, na qual, porém, será completamente derrotado. O Apocalipse prevê a dramática queda da confederação da Babilônia, que é o mesmo “rei do Norte” (Ap 18:1-8).
Daniel garante que Deus se levantará em defesa de seu povo, e o fim chegará para o opressor, e “não haverá quem o socorra” (Dn 11:45).
AUTOR: VANDERLEI DORNELES, pastor e jornalista, é doutor em Ciências pela Escola de Comunicação e Artes (USP), onde defendeu tese sobre os aspectos mitológicos da cultura norte-americana. Autor dos livros O Último Império e Pelo Sangue do Cordeiro, entre outros, atua como redator-chefe associado na CPB
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