ANÁLISE DO SALMO 20:7
1 INTRODUÇÃO
Quando se pensa nos salmos bíblicos facilmente nos vem a mente a figura de Davi, o segundo rei de Israel e autor de vários salmos inspiradores. Talvez esse rei seja lembrado mias pelos louvores que compôs que por outras coisas que realizou.
Dentre os salmos de sua autoria encontramos dois que se distinguem dos demais pela ocasião onde costumavam ser usados. São eles os salmos 20 e 21, que, respectivamente, eram usados como uma oração pedindo a Deus que os protegesse durante a guerra, e o outros agradecendo a Deus pela vitória obtidas na guerra.
Como fora enunciado no título, esse trabalho se propõe a analisar apenas o verso sete do capitulo 20. Para tanto, será feito uso de ferramentas como o BiblioWorks, que ajudará nas pesquisas sobre o verso em sua língua original ou de alguma palavra específica dentro do verso.
Esse trabalho não se propõe a ser uma análise exaustiva do verso.
2 ANÁLISE DO TEXTO
O texto bíblico que se propõem analisar é o Salmo 20:7. Alguns autores costumam estudar os salmos 20 e 21 juntos, como propõem os comentaristas Kidner (1980), Ironside (1952), Wilcock (2001) e o COMENTÁRIO BÍBLICO ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA (2012, v.3). Para fins desse estudo, será seguida essa linha apresentada pelos comentaristas.
Embora haja alguns comentaristas que discordem que o salmo 20 foi escrito por Davi (STADELMAAN, 1999), para finalidade desse trabalho será seguida a interpretação mais tradicional das escrituras que aponta Davi como autor desse salmo e sua composição em algum período dentro de seu reinado (WHITE, 2006, p. 716).
Com relação a data e contexto histórico onde o salmo foi composto, o que se pode precisar é a probabilidade de que a nação israelita estivesse saindo para um conflito. Como as guerras faziam parte da vida das pessoas que viviam naquela região, não é possível estabelecer a data exata da composição do salmo.
2.1 O TEXTO
אֵ֣לֶּה בָ֭רֶכֶב וְאֵ֣לֶּה בַסּוּסִ֑ים וַאֲנַ֓חְנוּ ׀ בְּשֵׁם־יְהוָ֖ה אֱלֹהֵ֣ינוּ נַזְכִּֽיר׃
2.1.2 Tradução e Comparação Com Outras Traduções
ORIGINAL
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COMO SE LER
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TRADUÇÃO
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FUNÇÃO
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’êl·leh
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Alguns
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Adjetivo
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בָ֭רֶכֶב
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ḇā·re·ḵeḇ
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em carruagens
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Substantivo
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וְאֵ֣לֶּה
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wə·’êl·leh
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e alguns
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Adjetivo
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בַסּוּסִ֑ים
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ḇas·sū·sîm
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em cavalos
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Substantivo
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וַאֲנַ֓חְנוּ
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wa·’ă·naḥ·nū
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mas nós
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Pronome
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בְּשֵׁם־
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bə·šêm-
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no nome
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Substantivo
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יְהוָ֖ה
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Yah·weh
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do SENHOR
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Nome
Próprio
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אֱלֹהֵ֣ינוּ
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’ĕ·lō·hê·nū
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o nosso Deus
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Substantivo
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נַזְכִּֽיר
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naz·kîr.
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lembrará
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Verbo
no hiphil
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Segue abaixo uma lista que contem a maioria das traduções modernas do texto que está em análise:
Alguns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós confiamos no nome do Senhor nosso Deus. (Nova Versão Internacional – NVI)
Uns confiam em carros de guerra, e outros, em seus cavalos; nós, porém, invocaremos o nome do Senhor, nosso Deus. (Nova Almeida Atualizada – NAA)
Uns confiam em carros, outros, em cavalos; nós, porém, nos gloriaremos em o nome do Senhor, nosso Deus. (Almeida Revista e Atualizada – ARA)
Alguns confiam nos seus carros de guerra, e outros, nos seus cavalos, mas nós confiamos no poder do Senhor, nosso Deus. (Nova Tradução na Linguagem de Hoje – NTLH)
Alguns povos confiam em carros de guerra, outros, em cavalos, mas nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus. (Nova Versão Transformadora – NVT)
Uns confiam em carros, outros, em cavalos; nós, porém, faremos menção do nome de Jeová, nosso Deus. (Tradução Brasileira – TB)
Alguns de carruagens e outros de cavalos, mas nós lembramos do nome do Senhor nosso Deus. (Nossa tradução)
Comparando o texto no original hebraico com a maioria da traduções há uma característica que salta aos olhos: em hebraico há apenas um verbo, נַזְכִּֽיר (lembrará), a última palavra do texto, e se encontra no Hiphil (voz ativa, ação causativa); já em português os tradutores acrescentam sempre um segundo verbo, talvez por acharem que o texto teria mais coerência se traduzido assim, que é o verbo confiar.
Como se pode ver na comparação das traduções feitas acima, todos os tradutores utilizaram o verbo “confiar” (grafado nas comparações em negrito), mesmo esse verbo não existindo no texto original.
Na tradução feita do hebraico para o grego, pelos judeus, chamada de Septuaginta (LXX) esse verso foi traduzido assim:
οὗτοι ἐν ἅρμασιν καὶ οὗτοι ἐν ἵπποις ἡμεῖς δὲ ἐν ὀνόματι κυρίου θεοῦ ἡμῶν μεγαλυνθησόμεθα
ORIGINAL
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TRADUÇÃO
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οὗτοι
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Este
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ἐν
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Em
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ἅρμασιν
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Uma
carruagem
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καὶ
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E
/ Também
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οὗτοι
|
Este
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ἐν
|
Em
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ἵπποις
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Um
cavalo
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ἡμεῖς
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Eu
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δὲ
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Mas
/ E
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ἐν
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Em
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ὀνόματι
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Um
nome
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κυρίου
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O
Senhor
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θεοῦ
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Deus
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ἡμῶν
|
Eu
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μεγαλυνθησόμεθα
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Fazer
ou declarar grande
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Mesmo no grego, o verbo “confiar” ou algum outro semelhante também não aparece.
Kidner (1980, p.120) confirma a ausência do verbo “confiar” em hebraico, porém o aponta como “uma inferência razoável”.
A maior parte dos comentaristas bíblicos parece não se atentar muito a esse detalhe, ou o considera irrelevante, visto não mencionarem em seus comentários.
Já o termo hebraico נַזְכִּֽיר (lembrará), que nas traduções mencionadas acima se encontra sublinhado, foi traduzido das mais variadas formas possíveis. Essa palavra, como está grafada acima, só aparece duas vezes em todo o Antigo Testamento, sendo uma no texto que está sendo analisado e outra em Isaías 26:13.
A palavra no texto de Isaias é traduzida, pelas modernas traduções, assim: “louvamos” (ARA), “honramos” (NVI), “adoramos” (NVT) e “confessamos” (NTLH).
A raiz do verbo éזָכָ֥ר , que aparece em todo o antigo testamento 316 vezes.
É perceptível, mesmo em português, a existência de uma contraposição entre os pronomes de primeira e terceira pessoa: “alguns... mas nós...” ou, em outras traduções, “uns... outros... nós, porém...”.
Dessa forma se faz necessário o estudo dos pronomes pessoais (nós e eles) ao invés de qualquer outra palavra desse verso.
2.2 ESTRUTURA DO VERSO
Nessa parte do trabalho será analisada a estrutura do verso e sua perícope. Aqui será definido quantas linha tem o verso.
2.2.1 Perícope
A perícope do verso que está sendo estudando é o Salmo 20:1-9. Isso pode ser percebido com a presença de uma setumah no fim do capitulo, indicando o termino da perícope e mudança de assunto.
Não há nesse capitulo do livro dos Salmos qualquer outra ferramenta que possa indicar uma divisão no texto, fora uma possível divisão temática.
O texto pode ser dividido da seguinte forma, considerando o seu provável uso: versos 1–5, oração da congregação solicitando as benção e proteção divina sobre os que sairiam para a guerra; versos 6–8, essa parte provavelmente era entoada pelo rei (alguns comentaristas acreditam que anteriormente a esse momento, seria realizado um sacrifício); e o verso 9, seria novamente entoado pela congregação.
Se considerar-se a divisão temática, o verso que será analisado faz parte da segunda seção do capitulo que trataria da fala do rei, que é apresentado nessa seção como o ungido do Senhor.
2.2.3 Sinais e Acentos
Como se pode ver logo abaixo, o verso é composto de três linhas (ou seja, tetracolon).
Nesse caso, a terceira linha do verso é a mais importante. Embora que nela só haja uma palavra וַאֲנַ֓חְנוּ (nós, porém), essa palavra faz toda a diferença e coloca a primeira parte d o verso em uma completa oposição a segunda parte.
Nesse sentido a ideia do salmista em distinguir o povo de Deus das demais pessoas (ou nações) fica explicita. Em quanto o povo de Deus lembrava do Senhor e exaltava seu nome, as outras pessoas pensavam em seu poderio bélico. O povo de Deus sabe quem pode garantir a vitória.
2.3 ANÁLISE DA PALAVRA
Nessa seção será analisada os pronomes pessoais da primeira e terceira pessoa do plural, por considera-se como sendo as palavras de maior importância para a compreensão do texto.
A palavra hebraica correspondente ao pronome nós em português é נַ֓חְנוּ essa palavra encontra-se conectada no texto a uma conjunção adversativa, o que poderia ser traduzido assim: “mas nós”.
Embora que o pronome para a terceira pessoa não apareça de forma explícita no texto, seu uso está implícito com o uso da palavra אֵ֣לֶּה que pode ser traduzido como “alguns” ou “uns”.
A interação entre esses dois termos indica que o salmista desejava passar uma ideia de oposição entre os dois grupos. Pode-se dizer que seja um paralelismo antitético, que é quando a primeira parte esta em oposição a segunda parte do mesmo verso.
3 ANÁLISE TEOLÓGICA
Como já foi mencionado anteriormente, o verbo confiar não aparece na língua original onde o texto foi escrito. Mas a teologia apresentada nesse texto é a de que devemos confiar em Deus e não em qualquer outra coisa.
Davi, o autor desse Salmo, parece ter vivenciado essa teologia em sua vida particular. Em 1 Crônicas 18 estão registradas, de forma resumida, as grandes vitorias em guerras obtidas por ele. O verso quatro chama muito a atenção. Ele diz: “Tomou-lhe Davi mil carros, sete mil cavaleiros e vinte mil homens de pé; Davi jarretou a todos os cavalos dos carros, menos para cem deles.” (grifo nosso).
A palavra jarretou é sinônimo de aleijar ou causar danos inrreveciveis, nesse caso, aos cavalos que foram obtidos por meio das vitórias na guerra. Essa atitude não era muito comum, principalmente pelo fato de os cavalos serem a principal ferramenta de locomoção e uma essencial arma nas guerras.
Essa atitude de Davi foi uma demonstração publica de confiança em Deus. Como líder de uma nação o rei deveria dar exemplo, e isso ele fez muito bem.
Há outras passagens nos Salmos em que Davi segue essa mesma linha de raciocínio: ele exalta a Deus, despreza a força humana e poderio bélico como certeza de vitória.
“O cavalo não garante vitória; a despeito de sua grande força, a ninguém pode livrar.” (Salmo 33:17)
“Não faz caso da força do cavalo, nem se compraz nos músculos do guerreiro.” (Salmo 147:10)
Davi foi um grande guerreiro e obteve muitas conquistas, com certeza fez uso de cavalos e cavaleiros para tal coisa. Mas sua certeza e sua confiança não era que possuía os homens mais preparados ou o equipamento mais adequado para vencer. Na verdade, sua certeza vinha da confiança de ter Deus ao seu lado em cada batalha.
“Ainda que um exército se acampe contra mim, não se atemorizará o meu coração; e, se estourar contra mim a guerra, ainda assim terei confiança.” (Salmo 27:3)
A teologia apresentada pelo salmista se assemelha bastante a que Jeremias demostra no capitulo 29 de seu livro.
"Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio, na sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR." (Jeremias 9:23-24)
A confiança em Deus e a certeza de que só do Senhor poderá vim socorro e vitória é o que Davi demostro em sua vida cotidiana.
A mensagem que o esse verso do Salmo (20:7) nos transmite hoje é: não podemos acreditar que posses terrenas e uma boa estabilidade financeira nos trará tranquilidade. A verdadeira paz só pode ser garantida por Deus. Por isso, devemos sempre nos manter confiantes no Senhor e crer que Ele é capaz de conduzir nossas vidas. E se cremos, porque não nos entregar totalmente em suas mãos?
CONCLUSÃO
O Salmo 20:7, embora não traga originalmente a palavra confiança ou algum outro verbo similar, apresenta uma mensagem de confiança em Deus e de certeza de vitória nas batalhas por meio do poder do Senhor.
Como vimos, esse verso era entoado antes de se sair as batalhas e servia de encorajamento ao povo de Deus. Os primeiros seis versos desse salmo é um pedido do povo a Deus, para que os conduza durante a batalha e possa conceder a vitória. Já o verso sete é a garantida dada pelo rei (o ungido do Senhor) que a confiança daquela tropa não estava em seus homens ou nas suas armas, mas sim no poder de Deus para conduzi-los e concede-los final vitória sobre os inimigos.
A teologia desse salmo pode ser aplicada as nossas vidas. Demos confiar unicamente em Deus e não em coisas terrestres que possam nos trazer decepção futura e frustação.
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REFERÊNCIAS
BIBLIA hebraica stuttgartensia. Edição de K Elliger, W. Rudolph, K. Elliger. 1. ed. Deutschland: Deutsche Bibelgesellschaft, 1987.
COMENTÁRIO BÍBLICO ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA: A Bíblia Sagrada com o comentário exegético e expositivo. v. 3. 1 ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2012.
HOLLADAY, William L. Léxico: Hebraico e aramaico do Antigo Testamento. Tradução de Daniel de Oliveira. 1. ed. São Paulo, SP: Vida Nova, 2010.
IRONSIDE, H. A. Studies on Book one of the Psalms. Neptune: Loizeaux Brothers, 1952.
KIDNER, Derek. Salmos 1–72: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1980.
MENDES, Paulo. Noções de hebraico bíblico. 1ª São Paulo, SP: Vida Nova, 2004.
STADELMAAN, Luiz I. J. Os Salmos: Comentários e Orações. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
WILCOCK, Michael. The message of Psalms 1–72. Westmont: InterVarsity Press, 2001.
WHITE, Ellen G. Patriarcas e profetas: o conflito entre o bem e o mal, ilustrado na vida de homens santos da antiguidade. 16. ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006.
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